Letras Uneb/Ipiaú - Turma 2009.1

"O homem sentiu sempre - e os poetas frequentemente cantaram - o poder fundador da linguagem, que instaura uma sociedade imaginária, anima as coisas inertes, faz ver o que ainda não existe, traz de volta o que desapareceu". (Émile Benveniste)

29.5.09

Uma vida, uma trajetória, um sonho

Eu nasci em uma família de seis irmãos sendo eu o quarto filho, cresci num ambiente saudável e de muito amor. Pois tenho os melhores pais do mundo, pois são exemplo de vida e dedicação a família e aos filhos. Meu pai tem setenta e sete anos e a minha mãe tem setenta anos bem vividos e são casados a mais de cinqüenta anos. Nasci na fazenda e cresci até aos doze anos neste mesmo lugar, onde comecei a estudar ainda criança em uma escola na qual a professora era a minha tia casada com meu tio irmão do meu pai. Lembro-me que naquela escola estudava alunos da alfabetização até a quarta série primária. Começamos com o famoso ABC e a temível TABUADA, quando chegava a hora da lição dava um medo e um calafrio, pois quem não conseguia dizer as letras dentro de um circulo feito com uma folha de papel com um buraco no meio, ficava em maus lençóis, pois a palmatória era certa se não conseguíssemos decifrá-las, e quando chegava a vez da Tabuada, se déssemos a resposta errada aí a coisa piorava, era bolo naqueles coitados, para os quais as letras e os números eram como hieróglifos. Mas, graças a Deus eu sempre tive facilidade de aprender sem proteção da tia, pois, quando errávamos, éramos os primeiros a levar bolo/palmatória. Hoje vejo esse tempo como um tempo de saudades, é impressionante perceber que ninguém daquela época, morreu ou ficou revoltado com a vida, pois, fazendo uma retrospectiva, essas pessoas, se tornaram pais e mães respeitados e trabalhadores incansáveis, e são gratos até hoje. (sou grato a minha tia, que sendo valente e guerreira não desistiu de nós, se não fosse ela, não teríamos conhecido o ensino, e ficaríamos apenas no mundo, dos por alfabetizarem). Não posso esquecer da minha cunhada, pró Conça, que ainda cursando faculdade, deu outro impulso ao ensino, sendo a nossa professora de terceira série, e na quarta série, pró Aldinei, ainda na escola da Fazenda. Elas, que incentivaram a meus pais nos enviarem para a cidade.

Diferente do que acontece hoje em dia, onde são feitas tantas as vontades, e colhemos tantas tragédias, na vida de alunos sem rumo, nem norte, e morrendo cedo demais pois já se cansaram da vida.

Quando eu ia para a escola, levava um embornal/saco de pano, cheio de laranjas, as vezes bananas bem madurinhas, e raramente um biscoito. Não tinha ainda a merendeira, que surgiu depois como uma grande novidade para a nossa realidade. Lembro-me do pé-de-jaca-mole, que havia próximo da escola, que colocamos o nome de “hotel”, pois durante quase todo o ano, nos presenteava, com jacas deliciosas bem madurinhas. “Uma história do pé-de-jaca. Um dia, fui eu e o meu primo Jaelton, para ver se havia jaca, e quando lá chegamos, havia um varão que dava acesso ao primeiro galho, e logo ali, ainda do chão, identificamos uma jaca madura. Foi quando chegaram dois colegas, o Bira e o Zé Grilo, que eram maiores, e subiram na frente, e não deixaram agente subir, e quando chegaram até a jaca, começaram a comer, e a caçoar da gente cá embaixo, jogando os caroços da jaca, e fazendo raiva na gente, quando de repente a jaca despencou e caiu ao chão, e nós, pegamos essa jaca, e corremos para uma vala cavada para escoar a água da estrada, e ali comemos aquela jaca, e eles ficaram com muita raiva de nós, lá em cima do pé-de-jaca, gritavam que iriam nos pegar. Então, nós gritamos que havíamos deixado para eles da jaca, só que era pura armação, nós amarramos os pés de vassouras (um mato utilizado para fazer vassouras) uns nos outros de um lado para outro do caminho, e gritamos que havia jaca para eles, e eles correram, e tropeçaram, e caíram de barriga no caminho, ficaram querendo bater em nós, mas nós fugimos de volta para a escola, é claro”. Depois acabou tudo bem, pois eles que começaram, não aconselho isso a ninguém, risos. A triste notícia é que, algum tempo depois, veio a rede elétrica, e os engenheiros acharam de passar a fiação exatamente no lugar do pé-de-jaca, tiveram que cortar o nosso “hotel”, que tristeza, no dia nós choramos....

Todos os dias catávamos, o Hino Nacional, o Hino da Bandeira, o Hino da Independência e as letras do JK, tipo, “como pode um peixe vivo viver fora d’água fria”.

Naquelas manhãs de sol bem claras, do inverno saindo para a primavera, quando as borboletas começavam com as suas multicores a voar, era, um dos períodos em que eu mais gostava, pois, eram dias de sol claro, com muita beleza, e uma vida que florescera, as flores brancas de jasmins exalavam seu perfume, as flores amarelas do mal-me-quer, cheias de orvalhos, cantávamos em sala uma linda musiquinha, “dó um dia, um lindo dia, ré reluz em ouro em pó, me assim que chama me, fá é fácil decorar, sol o meu amigo sol, lá é bem longe daqui, si indica a condição que me faz cantar um dóóóóó...”. Todas as vezes, que chegava um visitante tínhamos que saudar com uma canção, todos de pé, se fosse uma autoridade (delegado escolar ou coordenadora ou quem sabe as vezes o prefeito), então já era o Hino Nacional. Assim, fui crescendo e aprendendo, fazendo amigos, brincando de bola, de roda, de cair no poço e aí vai. Oh! tempo bom, pois havia uma inocência muito grande, não havia televisão, quando fui ver uma tv pela primeira vez, já era adolescente.

O certo é, quando cheguei a quarta série, já não havia ali mais nada que eu pudesse estudar, o ensino ali ficou pequeno de mais para mim. Foi quando meus pais me enviaram a cidade de Ibirataia para estudar.

Ao chegar à cidade, tudo era novidade, me deparei com uma nova realidade, onde os novos eram chamados de um nome muito estranho, até então, desconhecido para mim, calouro, a pressão era grande, onde eram feitas ameaças, tipo, vou tomar seu caderno, seu lápis, sua caneta, vou lhe bater se não pagar o meu lanche. Isso foi um terror no começo, mas na semana seguinte, já estávamos nos ambientando. Os colegas, os professores, agora um para cada matéria, foi um choque, isso era algo demais, não era mais bancos, nem mesas, eram carteiras individuais, cada qual sentado na sua, começara verdadeiramente uma nova fase, as meninas já começavam a olhar com um olhar diferente, um olhar mais audacioso, o assunto agora era, quem vai agarrar quem, trabalhos agora era em equipe, isso gerava disputa, para ver quem ia ficar com quem, e aí começava os jogos de interesse pois você era escolhido de acordo o grau de interesse.

Na quinta série, tudo foi novo realmente, desde a farda, o quichute, a calça jeans US-TOP, a roupa para educação física que trauma, pois tinha vergonha e timidez de ficar com as pernas de fora, pois recebia muitos elogios das meninas.

Mas, fiz muitas amizades, que permaneceram da quinta à oitava serie com a mesma turma. E não quero citar nomes pois cometeria injustiças, tanto de colegas quando de professores, pois foram ótimos, não tenho o que reclamar, pois vivi intensamente. Foi onde, no ano de 1984, conheci no ensaio da banda da escola, aquela princesa sonhada, que seria a minha amada esposa, num piscar de olhos, numa troca de olhares, no concertar da boina, tudo começou ser diferente, ela me fisgou e eu me deixei fisgar.

Do primeiro ao terceiro ano do segundo grau, foi muito difícil, pois perdi o interesse pelos estudos, no primeiro ano quase desistir, só ia a escola por ir, até que próximo ao final do ano, a minha vice-diretora Maria do Carmo, me chamou e conversou comigo, eu tentei reverter o quadro, mas já era tarde e perdi, no ano seguinte decidir querer voltar a estudar de verdade e não perdi mais, concluindo assim o segundo grau em Técnico em Contabilidade com êxito. Profissão que exerci por dez anos. E depois cursei Bacharel em Teologia no STBNE -Seminário Teológico Batista do Nordeste, em Feira de Santana, Bahia, por quatro anos e meio, depois fui pastorear onde atuo até o dia de hoje e atuarei até o fim da minha existência, pois sou feliz e realizado naquilo que faço com muito amor. Agora, tenho o prazer de voltar à sala de aula, cursando Letras, e realizando um sonho, de fazer um curso universitário, como este aqui na Uneb.

Aluno: Lindoelson B. de Santana

primeiro semestre Letras 2009/UNEB.

1 Comentários:

Às 23 de junho de 2009 às 18:22 , Blogger Turma de Letras 2009 - Uneb/Ipiaú disse...

Olá Lindoelson,

Parabéns! Belíssimo texto, o início escolar na fazenda certamente é uma importante referência, porque contrasta a rigidez e o amor, poderia chamar de uma educação familiar.
Concordo, sem querer ser saudosista, era um tempo de uma visão romântica, onde sonhávamos com um mundo melhor, apesar de vivermos numa ditadura militar.
Certamente que sua experiência, será de grande valia no nosso curso, e vc contribuirá muito para transformar a educação contemporânea.
Todos os dia agradeço a Deus por tudo que acontece na minha vida, pois sei que nada é por acaso, e quando recebi esta turma do primeiro semestre (em sete anos de UNEB, é a primeira vez que ensino no primeiro semestre) sabia que encontraria um grupo muito especial, para mim tem sido um grande prazer estar com essa turma, e você é um nome importante nesta turma.
Parabéns, gostei de lê-lo.

Adilson

 

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